quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A gestão da sala de aula na escola das diferenças (Rita Vieira de Figueiredo)


A gestão da sala de aula corresponde a capacidade do professor para orquestrar a interação entre os alunos em situação de aprendizagem, organizando os espaços os tempos e os agrupamentos pertinentes às suas propostas didáticas, se constituindo ele mesmo em mediador entre os conteúdos escolares e aqueles trazidos pelos alunos. A escola que está atenta à questão das diferenças, dispensa grande relevância ao ensino e a gestão da sala de aula, um vez que a grande marca dessa escola é a valorização do papel social do aluno, qualquer que seja suas características, pois tem como referência o princípio da contribuição. Deste modo, a classe do ensino regular se constitui em um agrupamento no qual cada aluno deve colaborar com o processo de construção do conhecimento dentro de suas possibilidades. A valorização do papel social do aluno só é possível na medida em que ele é reconhecido por seus pares como uma pessoa que traz uma contribuição mesmo que seja modesta, ao desenvolvimento de saberes, de saber-fazer e do saber ser coletivo. A criança percebe-se como um individuo que contribui para o desenvolvimento de saberes e do saber-fazer coletivo e retira disso múltiplas vantagens. Entretanto, essa participação ativa do aluno com deficiência no contexto da sala regular só é possível se o professor perceber esse aluo como sujeito de aprendizagem e se conseguir organizar propostas didáticas que favoreçam essa participação.
A percepção de professores de classes regulares a respeito de como eles organizam o trabalho tendo em vista a presença de um aluno com deficiência foi investigada na Austrália por O'Donoghue e Chalmers (2000). A pesquisa durou em torno de um ano letivo e teve como sujeitos 22 professores de escolas de ensino fundamental. Os resultados permitiram classificar os professores em três categorias: 1) os que realizavam adaptações seletivas com ênfase na organização da sala de aula, 2) os que realizam o trabalho dando ênfase às metodologias (estratégias) de ensino e 3) aqueles que baseavam suas modificações tendo como foco os conteúdos curriculares. Tais categorias foram definidas a partir da forma como os professores elaboravam suas estratégias de manejo de sala de aula tendo nela um aluno com deficiência. De acordo com os autores a adaptação das estratégias de sala de aula utlizadas pelos professores evoluíram nas seguintes etapas: 1) Diante da informação de que iriam receber alunos com deficiência em suas salas, os professores começavam a discutir as bases legais dessa inclusão e as possibilidade de recusar esses alunos. Uma certa resistência era observada. 2) O professor começava a considerar efetivamente o impacto desse processo na sua prática de sala de aula e no seu trabalho como um todo e começava a considerar alterações em sua atividade em sala para realização do trabalho. 3) Os professores definitivamente engajavam-se (ou não) no processo inclusão de seus alunos. Nesta etapa eles definem um ponto de vista e começam a racionalizar sua execução. 4) Os professores começam identificar as práticas que deverão ser modificadas para acomodar o aluno incluído, desenvolvem estas práticas e reorganizam o trabalho de acordo com os resultados obtidos. E, por último, os professores fazem uma estimativa das mudanças realizadas em suas salas e dos resultados positivos do trabalho. A pesquisa revela ainda que os professores consideram que o processo de inclusão modifica a vida escolar e a relação com os demais membros da sua escola. Figueiredo (2008) constatou que as professoras em contexto de inclusão atribuem transformações não somente na gestão da sala de aula mas também em sua vida pessoal. Essas mudanças não se fazem de modo similar nem nas crenças dos professores quanto as próprias capacidades de efetuarem a mudança, nem nos aspectos de investimento dessa mudança. Alguns professores aderem rapidamente e demonstram confiança na possibilidade de desenvolverem uma pedagogia que contemple as diferenças de todos os alunos. Outros, ao contrário, resistem a essa ideia, e tem aqueles que vão se apropriando pouco a pouco dessa concepção e aos poucos vão implementando pequenas mudanças no ensino e na gestão da classe. Os aspectos de investimento das mudanças também se diferenciam. Alguns atentam rapidamente para a organização da classe e as formas de agrupamento de seus alunos, outros priorizam o desenvolvimento de atividades com diferentes propostas didáticas que favorecem as diferentes possibilidades de aprendizagem por parte dos alunos e tem aqueles que começam a transformação pelo desenvolvimento da pedagogia de projetos. A autonomia dos alunos se constitui no aspecto mais difícil a ser implementado pelos professores (Figueiredo, 2008B). Investigando o processo de mudança de práticas pedagógicas no contexto da inclusão escolar Lustosa(2009) observou resultados semelhantes no processo de mudanças das professoras que fizeram parte de sua pesquisa.
Em uma escola que organiza as situações de aprendizagem considerando as diferenças dos alunos, o ensino e os apoios ao ensino se integram para orquestrar a aprendizagem, garantindo a participação efetiva dos alunos em todas as práticas educativas. Elas se embasam na implementação de um ensino que leve em conta as especificidades de cada sujeito e que faz apelo a cooperação entre os alunos em situação de aprendizagem. O professor deve respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem dos alunos, favorecendo a atividade conjunta entre alunos com e sem deficiência no momento da realização de projetos comuns. A colaboração estabelecida entre os professores, conforme já descrita anteriormente é outro aspecto que deve ser ressaltado também na escola das diferenças.
Thousand e Villa (2006) realizaram um estudo no qual exploraram os benefícios do planejamento colaborativo e concluíram que quando os professores trabalham em cooperação no seu planejando e em suas atividades práticas de ensino, eles tornam-se mais capazes de suprirem as necessidades específicas de seus alunos e podem cumprir melhor os objetivos propostos. O estudo explicita os diferentes modos de colaborar e co-ensinar, inclusive tendo os estudantes como parceiros colaborativos. Os autores ilustram esses modos de colaboração com os seguintes exemplos:
  • suporte natural do colega: quando um colega da mesma idade ou mais velho pode assumir a responsabilidade de apoiar a participação de um estudante com deficiência em atividades curriculares e atividades sociais. Por exemplo, os colegas podem tomar notas pelo amigo, facilitar a comunicação com os outros colegas conhecidos, ajudar na locomoção, dentre outras possibilidades.
  • Suporte consultivo: ocorre quando um ou vários adultos, muitas vezes um professor especializado, encontra-se regularmente com o professor de sala de aula para trocar informações sobre o progresso de estudante, avaliar a necessidade de adaptar ou complementar materiais e solucionarem problemas em conjunto.

Segundo os autores, é possível ainda que dois ou mais professores trabalhem colaborativamente com grupos diferentes de estudantes em diferentes situações. Essas ações, certamente se constituem em estratégias eficientes para a gestão da sala de aula que contempla todos os alunos da turma permitindo ao professor seguir a evolução do desenvolvimento das competências dos alunos.
Muitas outras formas de colaboração são possíveis de serem implementadas no contexto de uma classe que vive o princípio da colaboração em detrimento a competição e compreende o processo de construção do conhecimento como eminentemente cooperativo com o qual todos podem contribuir independendo de limites ou dificuldades.

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